Texto: Áurea Olimpia
Foto: Áurea Olimpia |
Mais
de 500 pessoas entre agricultores e agricultoras, guardiões e guardiãs das
Sementes da Paixão, estudantes de agroecologia, pesquisadores, representantes
de entidades de assessoria e lideranças da Rede de Sementes da Articulação do
Semiárido Paraibano (ASA Paraíba), estiveram reunidos na IV Festa Regional das
Sementes da Paixão, realizada neste dia 06 de novembro, na Comunidade São
Félix, no município de Santo André, Cariri Paraibano.
A
festa teve como lema: “Resistir às ameaças, cultivando vidas!” e foi realizada
em preparação à Festa Estadual das Sementes da Paixão, que acontecerá em 2015. A
programação teve início à partir das 7h, com a chegada das caravanas e a
montagem da Feira dos Guardiões e Guardiãs, que expuseram e trocaram produtos e
experiências da agricultura familiar agroecológica e dos 35 Bancos de Sementes
Comunitários do território do Cariri, Curimataú e Seridó, região de atuação do
Coletivo.
Após
a animação no palco e a acolhida às caravanas, o evento foi oficialmente aberto
com uma mística, dois jovens recitaram um poema, de autoria do agricultor
Antônio José Torres, do Sítio Cachoeirinha dos Torres, em Soledade-PB, que trouxe
as ameaças aos projeto de convivência com o semiárido defendido pelas famílias
camponesas, bem como as estratégias que as vem permitindo resistir. Os representantes dos 11 municípios que
compõem a região fizeram uma entrada com a bandeira de cada cidade e símbolos
da sua cultura, além do seu município representado em uma parte do mapa da
região, decorado com sementes e outros símbolos de resistência. Todas as partes
foram compondo um mapa, que aos poucos foi ficando completo e ficou exposto no
palco durante toda a programação da festa. “É uma alegria estarmos aqui, a
gente de Cubati, pode dizer que está mudando o mapa do município, que antes era
representado só pelo sisal e pelo algodão, culturas que hoje já não servem mais
pra nos representar, diante da diversidade do que estamos plantando, colhendo e
guardando. É essa diversidade que hoje garante a nossa sobrevivência e nossa
convivência com o semiárido”, afirmou Maria das Dores Medeiros, do Sítio
Capoeiras, Cubati-PB.
Teatro - Em seguida, uma peça de teatro encenada
pelo Grupo de Trabalho (GT) de Jovens do Coletivo, apresentou de forma lúdica e
descontraída, as armadilhas em que muitos jovens são levados a cair,
abandonando a agricultura para ir para a cidade grande ou a proposta sedutora
do lucro fácil por meio da monocultura especializada.
Durante
a peça, os atores interagiram com a plateia, que fez intervenções no conteúdo
do espetáculo. A agricultora Isabel Araújo, da comunidade Poço das Pedras, em
São João do Cariri, participou pela primeira vez de um evento como este e ficou
impressionada com o impacto do uso do teatro na atividade de formação: “O
teatro é importante porque a gente vê e depois a gente analisa. Eu vim a
convite do meu irmão, que há muito tempo já participa do trabalho, vejo que
muitos jovens caem nesse erro e tentam influenciar os pais, mas a gente precisa
cultivar também a semente de não ter medo e ter coragem de trabalhar naquilo
que conhecemos, pois todos nós somos capazes”, disse.
Após
esse momento, o engenheiro agrônomo e professor do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia (IFPB), Campus Sousa-PB, Chico Nogueira, fez uma
exposição dialogada sobre o significado de um evento como a Festa e a
importância do trabalho de conservação e resgate de sementes e raças nativas,
adaptadas à região semiárida: “Esse é um momento de reconexão com a natureza.
Durante muito tempo, negamos a inteligência da natureza. Nós somos sujeitos da
natureza e com as Sementes da Paixão estamos resgatando esse vínculo com ela e
com toda essa sabedoria. Inteligente é quem cultiva vida e não alimenta a
agricultura da morte”, afirmou.
Durante
a exposição foi aberta à fala os agricultores e agricultoras que se sentiram
provocados com a exposição de Chico. “O roçado é o berço de onde a gente tira e
multiplica as nossas sementes, responsáveis pela segurança alimentar das nossas
famílias”, afirmou Antonina dos Santos, do Sítio Pinhões, município de Santo
André. A parte da manhã foi encerrada com a animação do trio de forró Asa
Branca, também de Santo André, com as participações do sanfoneiro Joca Oliveira
e do Padre Raniery Alves dos Santos, de Juazeirinho-PB.
Após
o almoço, o período da tarde foi iniciado com as trocas na feira e o repasse
simbólico de matrizes de caprinos para o Fundo Rotativo Solidário do Coletivo,
que teve o apoio da entidade de cooperação Heiffer. O FRS do Coletivo já
beneficiou famílias com mais de 600 animais em 12 comunidades de cinco
municípios do território. Foi um momento de reafirmação dos animais como
sementes fundamentais para a sobrevivência da agricultura no território. Foram
repassados 15 animais, todos de raças adaptadas, para três famílias das
comunidades de Malhada Vermelha e São Félix, de Santo André. José Moreira dos
Santos, conhecido como ‘Zé de Conceição’, de Santo André, deu o seu depoimento
sobre o impacto do FRS em sua vida: “Pra mim foi muito gratificante, a minha
foi uma das primeiras famílias beneficiadas. Recebemos 6 matrizes e conseguimos
reproduzir para 26 cabeças. Eu sempre digo as pessoas para cuidarem com carinho
dos animais para no momento de repassar, a próxima família possa ter um animal
nas mesmas condições que vocês receberam”, afirmou o agricultor, coordenador do
FRS de animais da sua comunidade.
Campanha contra os
agrotóxicos - Em
seguida foi lançada a “Campanha contra os Agrotóxicos”, promovida pelo Patac em
parceria com o Coletivo, no âmbito das ações do Projeto “Vida no Semiárido”,
que tem o apoio de MISEREOR e o patrocínio da Petrobras. Na ocasião, as
agricultoras Luciana Pereira da Silva e Quitéria dos Santos Cunha, ambas de
Cubati, deram o seu testemunho sobre a experiência que tiveram com o uso de
agrotóxicos, trabalhando em plantações de tomate. As duas mulheres relataram
problemas graves de saúde e prejuízos financeiros, antes de optarem por uma
agricultura limpa e saudável, livre de veneno. “Os agrotóxicos mentem ao dizer
que vão acabar com as pragas. Os pesquisadores e quem usa os produtos sabem
que, com o passar do tempo, os insetos se tornam resistentes e a pessoa vai ter
que mudar para um veneno cada vez mais forte, porque aquele já não faz mais
efeito. Essa mentira tem levado à contaminação do meio ambiente, ao adoecimento
das pessoas e só enriquece a indústria de remédios e do veneno”, afirmou
Antônio Carlos Pires de Melo, assessor técnico do Patac e um dos responsáveis
pela campanha.
Após
o lançamento da campanha, Chico Nogueira fez uma breve exposição sobre os
transgênicos, ligada intimamente à indústria dos agrotóxicos: “O milho
transgênico, por exemplo, é produzido em laboratório, já com o veneno dentro
dele, com a promessa de afastar as pragas. Na prática, as pragas se tornaram
resistentes e o uso dos transgênicos acaba vindo associado ao uso intensivo de
veneno”, explicou. Foram então feitos testes de transgenia com amostras de
milho trazidas pelos agricultores. Para
tanto foi usado o chamado teste da fita, que em poucos minutos acusa a presença
ou não de proteínas transgênicas no material avaliado.
Para
o alívio dos participantes, os testes com as amostras deram negativo para a
presença de transgênicos. Foram então distribuídos certificados para os
guardiões e guardiãs das Sementes da Paixão livres de transgênicos. Um fato que
causou preocupação entre os presentes foi que o teste com a mostra do milho
distribuído pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) deu positivo para
a presença de proteína transgênica. A preocupação é com o risco de contaminação
das lavouras, já que, ainda que a distribuição desse milho seja voltada para a
alimentação dos rebanhos, muitos agricultores inadvertidos
acabam plantando estas sementes.
Enquanto
os testes de transgênicos eram feitos e os resultados aguardados, uma “Rádio Poste”,
montada no local, interagiu com os agricultores, agricultoras e demais
participantes da festa, que aproveitaram para visitar a feira, trocar sementes
e comprar produtos da agricultura familiar, além de artesanato e outros
materiais. Ocorreram ainda oficinas paralelas de feno, sal mineral e biofertilizantes.
A IV Edição da Festa das Sementes da Paixão foi encerrada então, com uma benção
ecumênica das sementes, feita pelo Padre, por praticantes evangélicos, benzedeiras
e rezadeiras da região, que aspergiram as sementes trazidas pelos
participantes.
A
festa é uma realização do Coletivo Regional das Organizações da Agricultura
Familiar e do Programa de Aplicação de
Tecnologia Apropriada às Comunidades (Patac) em parceria com a ASA Paraíba, a
ASA Brasil, o Centro de Ação Cultural (Centrac) e com o apoio financeiro da
entidade de cooperação alemã MISEREOR e o patrocínio da Petrobras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário