15 de outubro de 2012

Avanço do agronegócio na região Semiárida da Paraíba

Imagem da Internet
A comunidade rural Prainha do município de Cubati, localizado a 66,5 km de João Pessoa, ainda é caracterizada pela resistência da agricultura familiar. Inúmeras pequenas propriedades rurais tentam sobreviver em meio à falta de incentivos dos poderes públicos, o que na maioria das vezes força os agricultores a se submeterem as pressões do agronegócio.
 
Agricultores e agricultoras são submetidos ao trabalho informal, com baixíssima remuneração e sem nenhuma segurança. Trabalham semanalmente ou de acordo com o período da produção nas plantações de tomate e na mineração, mas mesmo quando possuem algum pedaço de terra, são muitas vezes obrigados (pela necessidade financeira) a arrendar suas propriedades para a monocultura à base de agrotóxicos.
 
Para além do caso de Rosália Barbosa de Souza, que veio a óbito por ter mantido contato permanente com os agrotóxicos enquanto trabalhava na produção de tomate, o descaso do poder público sobre as questões dos direitos trabalhistas vem ocorrendo com frequência em todo o estado. É recorrente os casos de irregularidades jurídicas, super exploração, trabalho infantil, acidentes, falta de equipamento de proteção e negligência dos direitos trabalhistas.
 
Nos casos de arrendamento de terras, além dos riscos à saúde da terra e das pessoas que permanecem residindo próximas aos plantios, a contratação é feita sem nenhuma segurança, não existe nenhum tipo de documentação ou registro do contrato. Durante o período do plantio à colheita a família fica impedida de, até mesmo, entrar na área cultivada. Ao fim da colheita, após quatro meses, o proprietário da terra recebe a quantia de R$ 1.000,00 (um mil reais) por cada hectare arrendado.
 
Durante o período de colheita dos tomates, praticamente toda a comunidade se envolve no trabalho. Homens, mulheres, adultos, jovens e mesmo crianças são levadas as plantações e recebem, ao fim do dia, cerca de R$ 25,00 (vinte e cinco reais) pela diária de trabalho.
 
Dona Maria de Sueli Lima Souza (mãe da jovem Rosália Barbosa) comenta revoltada com a situação, mesmo após a morte de Rosália, um de seus filhos continua insistentemente trabalhando nas plantações de tomate: “Eu to com um menino com o mesmo problema, trabalhando dentro da tomate! Eu já pedi, o pai já pediu pra ele sair, porque eles trabalham sem proteção nenhuma, mas ele não quer atender a gente. Diz que é o ganho que tem, que num pode sair que é o ganho que tem, mas ele num sabe que é a vida dele que ta em jogo, nem vendo a irmã morrer, que a gente tem quase certeza que foi isso, ele não atende ninguém, num quer, vai continuar trabalhando lá”.
 

Casa da família de Rosália
Todos trabalham sem nenhum tipo de proteção, manipulam e aplicam os produtos químicos sem sequer a utilização de uma máscara. Marizaldo Pereira Alves, esposo de Rosália, afirma: “Essa coisa de tomate não tem futuro, não. É muito veneno que o cabra engole, num tem roupa, num tem calçado, num tem nada, trabalho bem dizer nu dentro de um campo de tomate e os donos só quer saber deles, de ganhar e ganhar e pronto, mas o cabra que precisa, né? Tem que ir mesmo, aqui a renda que tem é essa (Bolsa Família), num tem outra, aí todo mundo vai mesmo!”.
 
De acordo com a professora de medicina da UFCG em Cajazeiras/PB, Ana Carolina de Souza Pieretti, aparentemente este não tem sido um tema de preocupação do conselho federal de medicina: “O órgão que mais tem tomado à frente nestas discussões tem sido a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), mas ainda apresenta dificuldade em refrear o uso de agrotóxicos pelo grande poder econômico tanto das empresas produtoras quando do agronegócio. Em minha opinião deve haver mais estudos e uma regulamentação mais forte, além da discussão na sociedade de que modelo de produção agrícola é bom para a saúde das pessoas. Certamente o agronegócio não é este modelo”.
 
Nesse contexto, diversos movimentos e organizações sociais ligadas à agricultura familiar camponesa lutam contra o avanço do modelo de desenvolvimento do agronegócio na região semiárida do país. No entanto a luta ainda é bastante desigual, e se torna inviável garantir o enfrentamento apenas com ações de acompanhamento e assistência técnica às famílias agricultoras. É o que aponta Maria da Glória Batista, representante da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA Brasil): “Temos trabalhado com a disseminação de iniciativas, dos cultivos, da criação de animais integrada e valorizando a biodiversidade local no desenvolvimento do semiárido com base na agroecologia, como a exemplo: o resgate das sementes nativas, dos animais nativos e adaptados, da recuperação, conservação e manejo da biodiversidade local”.
 
Dessa forma as manifestações populares tornam-se um importante instrumento de enfrentamento com capacidade de chamar a atenção dos poderes públicos e da sociedade sobre os principais problemas enfrentados no campo. Nesse sentido, as organizações e movimentos sociais cumprem com o papel significativo no processo de articulação e conscientização política. Maria da Glória, acrescenta ainda: “do ponto de vista político, vem sendo feito um trabalho junto às organizações, com a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, e demais campanhas contra qualquer iniciativa voltada para o agronegócio. Na região do semiárido, as organizações estão cada vez mais se articulando pra enfrentar o agronegócio através de campanhas, de processos de mobilização, de denúncia, no sentido de mobilizar a sociedade pra enfrentar o agronegócio. Um desafio que surge para todas as organizações desse campo, não só pra ASA, é articular, buscar diálogos e convergências junto às organizações para o enfrentamento ao agronegócio de forma coletiva”.
 
 
Patrícia Ribeiro
Comunicadora Popular ASA/Patac
Campina Grande/PB

AGROTÓXICO CAUSA MORTE NA PARAÍBA

Após trabalhar nos plantios de tomate, mantendo contato direto e intensivo com agrotóxicos, uma jovem agricultora com apenas 23 anos de idade, grávida e mãe de mais dois filhos, adquire grave doença que provoca sua morte no interior da Paraíba.
 
 
Desde abril de 2011, quando foi lançada a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, diversos movimentos sociais, grupos ambientais e demais organizações tem desenvolvido inúmeras ações de conscientização, denúncia e enfrentamento contra 07 empresas multinacionais que controlando mais de 70% do mercado de agrotóxicos no Brasil (Monsanto, Syngenta, Bayer, Novartis, Dupont, Basf e Dow), as quais estão diretamente ligadas ao grupo da bancada ruralista no senado.

Além de todas as ações se depararem com a omissão, negligência e mesmo a conivência do Estado, os movimentos sociais ainda enfrentam o silêncio das grandes mídias sobre sérias questões relacionadas ao problema do uso intensivo e indiscriminado dos defensivos químicos.
 
O Brasil atualmente é o campeão mundial no uso de agrotóxicos. Por ano, cada brasileiro consome cerca de 5 litros de agrotóxicos. Em consequência desse consumo absurdo de veneno, milhões de pessoas adquirem câncer e morrem anualmente, sem nenhum tipo de repercussão no noticiário da grande mídia.
 
Além disso, na maioria dos casos de morte em consequência dessas doenças, mesmo com a comprovação de exames clínicos, profissionais de saúde se negam a atestar nos laudos médicos a causa da morte como consequência do uso de agrotóxicos. Recentemente a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO) lançou o dossiê “Um alerta sobre os impactos dos Agrotóxicos na Saúde”, o qual confirma através de evidências científicas diversas doenças resultantes da exposição, contato, uso e consumo de componentes químicos encontrados em diversos grupos de agrotóxicos consumidos no país.
 

Rosália Barbosa de Souza
De acordo com o dossiê, as pessoas expostas a esses produtos podem além de sofrer com efeitos imediatos, como intoxicação e morte, poderão sofrer com o passar de meses, anos e até décadas, com o surgimento de doenças como cânceres, má formação congênita, distúrbios endócrinos, neurológicos e mentais.
 
Num caso recente, não foi preciso que nem se quer um ano, para que uma jovem viesse a sofrer graves consequências do contato com os defensivos químicos utilizados nas lavouras de tomate na região de Cubati/PB. Trata-se de Rosália Barbosa de Souza, uma jovem de 23 anos, agricultora, casada e mãe de três filhos, que faleceu no dia 18 de julho deste ano, devido à aquisição de uma doença pouco comum: a Aplasia Medular.
 
De acordo com Ana Carolina de Souza Pieretti (professora de medicina da UFCG em Cajazeiras/PB), a aplasia medular é uma doença relativamente rara que na maioria dos casos é causada por uma doença autoimune, quando as defesas do corpo passam a atacar as células da medula óssea onde o sangue é produzido, resultando em uma anemia profunda com comprometimento de todos os tipos de células do sangue. Medicamentos, radiação, vírus, drogas e agentes químicos também podem ser associados à toxidade medular:

“Além disso, diversos fatores, que podem gerar agravos à medula óssea, onde o sangue é produzido, têm sido correlacionados com aplasia medular e outras doenças da medula como leucemia. Dentre eles destacam-se os agrotóxicos dos mais diversos tipos. Durante os últimos 30 anos tem sido reportados na literatura científica casos de aplasia medular que podem ser correlacionados ao uso de agrotóxicos. Os organofosforados, classe de agrotóxicos cuja toxidade está bem estabelecida, causou uma chance 3,2 vezes maior entre agricultores para apresentar aplasia medular em determinado estudo com trabalhadores da Tailândia, que também mostrou um risco relativo 4,75 vezes maior de ter esta doença em trabalhadores expostos aos carbamatos (classe de agrotóxicos a qual pertence o Lannate BR, usado na cultura do tomate)”.
 
De acordo com a família de Rosália a doença foi identificada durante a gestação de seu último filho. Rosália ainda estava amamentando seu segundo filho, quando ficou grávida do terceiro, durante todo esse período ela manteve contato direto e intenso com os agrotóxicos utilizados no plantio de tomates.
 
Pais de Rosália Barbosa
Ela trabalhou na plantação de tomate e ainda chegou apanhar tomate. O marido dela também trabalha, era ela que lavava a roupa dele quando ele chegava. Tudo isso é contato, né? Quando ela ia lavar roupa, chegava a sair aquela água diferente do veneno. Devido ela estar amamentando também e depois ter engravidado, as imunidade tava baixa, aí ficou mais fácil pra doença. Começou a aparecer umas manchas na pele, com uns dias começou a sangrar as gengivas e depois foi só ficando mais grave o caso” (Damião Barbosa de Souza, pai de Rosália).
 
Além dela e o marido terem trabalhado nas plantações de tomate. As terras em torno da casa onde a família residia foram alugadas para um dos maiores produtores de tomate da região, conhecido como o “Rei do Tomate”. Durante quatro meses a família esteve (literalmente) dentro do plantio de tomate, recebendo toda a carga de agrotóxico despejada pelo dono da produção.
 
Com 06 meses de gestação, ainda na Paraíba, o estado de saúde de Rosália começou a se agravar. Foi quando ela foi transferida para o Instituto Materno infantil de Pernambuco (IMIP) em Recife-PE. Lá a jovem permaneceu internada em observação e sendo submetida a inúmeros exames.
 
Ana Carolina ainda afirma que no caso especifico de Rosália, o fato da jovem ter mantido contato intensivo com agrotóxicos durante o período da gravidez é considerado um fator agravante:
 


Certidão de óbto de Rosália
O momento da gravidez é um momento delicado quando o corpo da mulher engendra um enorme esforço para gerar e nutrir um novo ser. A medula óssea é demandada a produzir mais sangue, tanto que é muito comum que as mulheres apresentem anemia leve neste momento. Passa a ser um momento então que a medula estaria mais vulnerável a agressões externas o que poderia ter contribuído para a doença. Por outro lado, os agrotóxicos podem gerar más-formações e até morte do feto. Em estudo no Mato Grosso, a região que mais consome agrotóxicos no Brasil devido ao agronegócio, foi constatado a presença de agrotóxicos no leite materno, o que também pode gerar impacto na saúde dos bebes amamentados”.
 
Ao completar sete meses de gestação com o risco de morte materna e fetal, os médicos que acompanhavam Rosália, optaram pela indução do parto prematuro do bebê. A pesar do nascimento prematuro e com todas as adversidades da gestação, a criança nasceu bem e sem nenhum tipo de complicação. De acordo com Marizaldo Pereira Alves (esposo de Rosália), foram aplicados vários exames no bebê, mas até o momento nada foi detectado e a criança passa bem.

Esposo e os três filhos de Rosália
Após o parto, apresentando complicações no quadro da aplasia e insuficiência respiratória, Rosália foi encaminhada à Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde permaneceu em estado continuamente agravante, até vir a óbito no dia 18 de Julho. No laudo médico consta apenas que a causa da morte foi devido a “Hemorragia pulmonar e aplasia de medula óssea”.

Com a morte de Rosália a família além de sofrer com a perda forçada da filha, sente-se revoltada com a situação que permanece na comunidade com total descaso, sem nenhum tipo de fiscalização ou controle. Após relatar o ocorrido com a filha, Seu Damião desabafa: “Eu só vou dizer uma coisa, no próximo campo de tomate que tiver aqui de frente de casa, que nem teve esse aí, eu vou procurar quem quer que seja direito, dessa vez eu brigo na justiça, mas num aceito. Vão fazer lá dentro das terras onde são dono mermo, quer morrer vão pra lá! E deixa nós que quer viver aqui em paz!”.



Patrícia Ribeiro
Comunicadora Popular ASA / Patac
Campina Grande-PB

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