24 de maio de 2012

"Sem o debate da convivência, seca seria bem mais catastrófica", aponta coordenadora da ASA

O Semiárido brasileiro enfrenta a pior seca dos últimos 30 anos. De acordo com matéria publicada no Correio Braziliense, no dia 18 de maio, 769 municípios estão em situação de emergência. A Bahia é o estado mais atingido, com mais de 2,7 milhões de pessoas afetadas e 214 municípios em situação de emergência. As consequências deste fenômeno são anunciadas diariamente na imprensa: perda da produção, aumento do preço de alimentos, falta de alimentos para os animais e de água para beber e produzir.

Mas as tragédias geradas pela seca poderiam ser piores não fossem as tecnologias de convivência com o Semiárido disseminadas pela Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA), juntamente a um conjunto de outras políticas governamentais como o Bolsa Família. A análise é da coordenadora da ASA pelo estado do Ceará, Cristina Nascimento, que concedeu uma entrevista à jornalista Gleiceani Nogueira, da Assessoria de Comunicação da ASA (Asacom).



Cristina faz uma leitura da importância do debate da convivência com o Semiárido nas comunidades, ajudando a torná-las mais conscientes de que água é direito e não um favor. Apesar de concordar que as famílias estão mais preparadas para enfrentar as consequências da estiagem, ela reforça a necessidade de ampliar e aprofundar o debate da convivência junto à sociedade e os governos.

Presente em 1076 municípios dos 1133 que compõem o Semiárido Legal, a ASA possui uma capilaridade que lhe permite alcançar as populações mais dispersas da região. Mas, justamente nesse momento crítico, a ação de mobilização e formação social realizada pelas organizações da Articulação está parada em várias comunidades devido à descontinuidade da parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Esse assunto também é comentado pela coordenadora na entrevista. Confira!
Asacom – Dá pra imaginar qual seria o cenário do Semiárido neste momento de seca se não fossem as diversas tecnologias de convivência, entre elas, as 600 mil cisternas de placas espalhadas pelo Semiárido, das quais 400 mil construídas pala ASA, através do P1MC?

Cristina
- Imaginar o Semiárido, uma quantidade significativa de famílias, sem ter tido este momento de discussão sobre a questão da convivência com o Semiárido, nós teríamos uma realidade bem catastrófica, eu diria. Hoje temos uma situação de escassez de água, isso é claro, está presente, mas uma grande parcela das famílias tem conseguido passar por esse momento, não esbanjando água, mas tendo uma gestão mais consciente desta água acumulada que eles conseguiram nas suas cisternas, nos seus barreiros e, além disso, do que eles conseguiram estocar para alimento dos seus animais, das famílias, as sementes... Tudo isso nos faz acreditar que se isso não existisse, nós estaríamos revivendo momentos difíceis de crise da nossa história, onde o comércio local estaria numa apreensão com a possibilidade de saques, várias pessoas, principalmente do meio rural, estariam indo atrás de alimentação para suas famílias. Eu acredito que essa ação de convivência, as tecnologias, têm permitido a essas famílias ampliar a sua capacidade de estocar e de poder ter autonomia para gerir esse estoque que têm conseguido acumular. Isso tem possibilitado uma outra forma de ver e de passar por esse momento de estiagem. Claro que a gente também tem que ver que outras políticas contribuem para isso, como as políticas do próprio governo federal, a questão do Bolsa Família, a história da aposentadoria rural... Quando você junta, tem uma equação muito importante que possibilita que essas famílias possam, com mais autonomia, mais altivez, olhar para esse momento e ter mais força para lutar por mais políticas públicas, mais políticas de convivência. Essas famílias que têm essas tecnologias não estão na condição de submissão, mas numa posição de exigir porque sabem que é importante para garantir a vida no Semiárido. A realidade é que hoje, se não fossem essas implementações, se não fossem as políticas voltadas para o meio rural em especial, nós estaríamos vivendo um momento de maior tristeza, de maior dificuldade para as famílias, especialmente do Semiárido.

Asacom - A cisterna tem capacidade para armazenar até 16 mil litros, quantidade suficiente para uma família de cinco pessoas ter água para beber e cozinhar por um período de 6 a 8 meses. Que outras tecnologias podem garantir a família acesso à água potável nesse período de estiagem prolongada?

Cristina -
Primeiro temos que entender que as cisternas têm uma grande importância no sentido [de guardar] a água da chuva. Várias famílias ainda estão fazendo a gestão da água na quantidade que tem porque querem permanecer por mais tempo bebendo esta água da chuva que conseguiram guardar no canto da casa. É importante ver que quanto mais possibilidade eles tiverem de ter água [em outras tecnologias], eles terão mais possibilidades de guardar esta água só para consumo humano. Se você tem uma quantidade maior de tecnologias que possibilitam este estoque de água, você tem mais garantia de uma sustentabilidade para poder passar por tudo isso. Há alguns casos de que muitas famílias que só tem efetivamente uma única cisterna, essa família ainda vai procurar o poder público para garantir a água no canto da casa, na sua cisterna. A gente tem dito e incentivado, principalmente, nas comissões municipais, que devemos lutar por políticas públicas, por implementações de convivência, mas se em algum momento for preciso que estas tecnologias sejam abastecidas, que se exija uma água de qualidade e que venha como direito e não como favor, como historicamente tem acontecido no Semiárido brasileiro. Eu acredito que as cisternas, que os barreiros trincheira, que a bomba popular, que resgatou vários poços que estavam perfurados, mas não estavam servindo à comunidade, a partir da bomba popular eles começaram a ser movimentados novamente para que garantissem água, que os sistemas de abastecimento público de pequenas adutoras, que o próprio governo poderia fazer de forma emergencial, mas o importante é que a gente garanta que estas tecnologias tenham, efetivamente, a gestão e o controle das famílias.
Asacom – Uma seca desta proporção que estamos vivendo não havia acontecido na história da ASA. O que podemos aprender a partir deste fenômeno para afinar ainda mais a nossa estratégia de convivência com a região?

Cristina -
Eu acho que o grande aprendizado é entender que precisamos ampliar na sociedade brasileira o debate acerca da convivência com o Semiárido. Eu acho que no campo das famílias, dos movimentos de base, das organizações, esse debate da convivência é algo que está mais instituído. Mas, na sociedade como um todo, você se depara, por exemplo, com a volta do discurso do “combate à seca”, do enfrentamento da seca, das imagens do meio rural como a imagem apenas da negação, da fome e da miséria. Então o debate com a sociedade para defender que o importante é que o governo tenha uma proposta efetiva de politicas estruturantes para o Semiárido, que efetivamente tenham como direção a história dessas famílias, a trajetória dessas famílias. Enquanto ASA, temos apontado para o governo, para outros movimentos a importância desse debate, mas precisamos ampliar essa questão.

O outro aprendizado é entender, e aí eu acho que a gente tem que ser mais propositivo, que outras tecnologias e outras ações são fundamentais para garantir mais sustentabilidade às famílias. A gente tem trabalhado com a água para consumo humano, com a água de produção, tem outras águas que precisam ser potencializadas porque a famílias do meio rural têm outras necessidades. Então precisamos ampliar o debate das tecnologias, além de discutir outras políticas e outras ações como a questão das sementes, que a ASA já vem numa trajetória, a questão do acesso a políticas como o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos], que para os agricultores e agricultoras têm sido importantíssimo porque eles podem comercializar diretamente em programas governamentais. É fundamental também que os agricultores e agricultoras possam ter acesso à assistência técnica, que possibilite ampliar e instigar a atividade desses agricultores no sentido de criar alternativas, por exemplo, para armazenar alimentação para os animais num período como esse. Então, nós precisamos ampliar esse debate e também ampliar práticas de convivência, entendendo que a convivência, e nós temos dito isso, não se restringe à cisterna. Ela é uma tecnologia e uma porta de entrada para incentivar o debate. Então tem um leque de questões que nós já temos trabalhado, mas que precisamos aprofundar e pautar o Semiárido brasileiro, as famílias, e a sociedade e o governo da importância dessas ações para que a gente possa efetivamente estar construindo no Brasil e no Semiárido uma situação de mais sustentabilidade, de mais capacidade de resiliência dessas famílias para superar e passar momentos difíceis como esse.
Asacom - Neste período mais crítico, a ação da ASA está parada em vários municípios do Semiárido, devido a descontinuidade da parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social. Qual o impacto que isso tem na vida das famílias e há alguma previsão para retomada da parceria?

Cristina -
Desde o final do ano passado, quando a gente fez todo o debate com o MDS da necessidade da continuidade dos programas, esse período todo a gente ficou com a ausência de uma ação de mobilização mais profunda junto às famílias. Isso de certa forma prejudica um processo organizativo que já vinha em andamento, inclusive para a gente fortalecer junto a essas organizações, aos movimentos de base, às comissões municipais, o debate dessa questão da convivência e da seca em que a gente está vivendo. Nesse momento de crise, a não realização de ações prejudica, por exemplo, a geração de renda no campo, como os agricultores e agricultoras que são pedreiros, têm sua renda melhorada e podem passar por esse momento com mais tranquilidade. A gente vê famílias com infraestrutura hídrica, ainda que não tenha chuva para abastecer a cisterna, mas poderia ser articulado com o poder público para abastecer os reservatórios dessas famílias. Essa ausência acaba prejudicando também, e efetivamente, as famílias. E no campo das organizações acaba fragilizando uma ação política no debate e na mobilização dessas famílias. Essa é uma das questões que nós temos colocado nas nossas negociações com o MDS, da importância de acelerar o processo de execução dos programas porque esse é o momento em que nós precisamos estar fazendo o debate, a mobilização, e essencialmente construindo com essas famílias alternativas de convivência, debatendo o acesso às políticas que estão postas, como, por exemplo, o acesso ao crédito, e nós não estamos no diálogo direto com as famílias. Nossa expectativa é que a gente consiga até o final do mês de maio, início de junho, ter essa parceria firmada, inclusive o diálogo com o MDS em se fortalecido. Nós acreditamos que é possível sim e agora só depende da vontade final de dizer “vamos efetivar”. A expectativa é que a gente entre pelo menos no mês de junho como nossos contratos firmado e com uma grande levada de jovens, de agricultores, de organizações animadas em torno dessa questão da convivência com o Semiárido.



Gleiceani Nogueira - Asacom
23/05/2012

Fonte: http://www.asabrasil.org.br/Portal/Informacoes.asp?COD_NOTICIA=7345

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